MOTE:

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
- Frase de um ex-combatente, anónimo.

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sexta-feira, 16 de março de 2012

A ALDEIA




(sobre o massacre de Wiriamu)


I

Vede
a amabilidade das manhãs
exprimindo-se tão bem
por sobre o espaço das bombas.

E tudo se purifica
enquanto à toa
um sol difícil reclina
austral na nossa angústia
como estes pássaros brilhantes
debicando nos comprazidos escombros.

Cindidas para trás
as cidades com os impermeáveis de combate
perfilados aos ventos dos trópicos.
Delas partem os voos
migratórios dos motores
ou os azimutes fac-similados
dos profissionais.

Agora só perceptível
porque derrete à luz romântica
o horror míope dos astros
- deles a luz que pressaga
o remorso.

II

Mas são tão amáveis as manhãs
na aldeia sem frémito
e sem palavras dentro.
Os gritos já não regressam
aos gritos. E do capim
só a flor negra da sua memória
nos acena dos crepúsculos
assim fixos no poema.

De novo o giro do pó
tinge o horizonte
e um anjo negro limpa pacientemente
na face neutra das nuvens
o suor loiro dos hélices.





III

Quando o sono inquieta
demandaremos à pressa
círculos insubstituíveis.
Apalpões erguerão de nós
fragorosamente
o ímpeto fragmentado
desses mortos então maduros.

Porém do ar
a cada impulso de tédio
a aldeia casa a casa
filtra na candonga das celas
(de qualquer coração ínsuo)
a eternidade desbragada
na boca que não traiu.

E de um caminho exultante
músculos primigénios
emudecem acamaradam
proverbialmente
os olhos grandes das fogueiras:

«Se o céu tem emoções
é porque se tornou velho.»


Heliodoro Baptista
In: “Por Cima de Toda a Folha”

Imagem: sapo.pt

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