“Sou uma pessoa que nasceu em África e veio refugiada para Portugal em 1961, ou seja, no auge da então chamada Guerra Colonial. Por outro lado voltei para Portugal em 1970. Com isto quero dizer que vivi os três lados da questão:
- O primeiro, ainda pequena, sem perceber muito bem o que estava a acontecer, cuja memória mais marcante na altura, foi ver o meu irmão a fugir porque não queria "abandonar" o papá e terem sido designados dois lugares no avião para 2 adultos e cinco crianças, aliás aquilo não era um avião pois não se via o chão nem o tecto tal era o mar de gente. Independentemente de ter visto outras coisas horríveis, tais como pessoas gravemente feridas.
- O segundo, mais tarde, a despedida dum amigo que foi chamado a ir para o Ultramar - completamente horrível a imagem que ficou gravada na minha memória, do mar de gente a despedir-se dos seus entes queridos, para depois vir a saber que dois dias antes de regressar definitivamente, foi morto.
- O terceiro, talvez um pouco pior, tive um irmão na tropa que foi dado como desaparecido e na véspera, ou seja, quase 3 meses depois, da sua homenagem e do seu pretenso funeral, apareceu em casa dos meus Pais num estado lastimável. Nem imaginam o estado dele, tanto psicológica como fisicamente.
Tudo isto são histórias verdadeiras, que alguém já passou com mais ou menos dor, o que é facto é que estão guardadas na nossa memória. Serão recordações boas ou más? Não sei explicar. Para mim, e no meu caso pessoal têm os dois lados.
Ainda hoje, e por vezes com lágrimas nos olhos, ao ler linhas sejam em que forma de escrita sinto uma impotência, uma dor, uma revolta, enfim uma confusão de sentimentos.
A Todos os que passaram por esta Guerra um grande ABRAÇO.”
MG (Natural de Angola)
(Contributo enviado por e-mail)
Imagem: sapo.pt