MOTE:

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
- Frase de um ex-combatente, anónimo.

Amigos

domingo, 27 de março de 2011

O Astro Rei é de Ouro...

O Astro Rei é de Ouro
A Lua é de prata
Nós somos de qualquer coisa
mais barata
Somos de carne e osso
E valemos quanto podemos
Mas mal avaliados
Quem olha além de nós
Olha para além
Quem trepa além de nós
Trepa acima
Quem fizer além de nós
Ignora o pouso e o poço
Quem escreve de nós
Vê quem somos
Tristes, sem entender
Porque, estivemos ali

MG

quinta-feira, 17 de março de 2011

DESAPARECIDO!? - extraído do comentário feito ao post de MG, "DEPOIMENTO...

...Um primo meu, foi dado como desaparecido em 1971 e embora algúns colegas afirmem que o viram poucas horas antes do embarque do regimento ao qual ele pertencia,até hoje, nem o Estado português nem o Angolano dão uma resposta ao desespero da minha tia e primos. O meu tio morreu com o nome do filho na boca. A minha tia passa os dias a chorar o filho que não sabe se está morto ou vivo. Era de todos os seus filhos o mais doce e querido. Os irmãos já correram as instituições, desde o exercito, aos governos e instituições particulares e nada conseguem.Desapareceu do mapa, de dois mapas que não assumem as suas responsabilidades, para não terem de pagar uma indemnização.
...as guerras não são feitas a pensar em fazer os seres humanos felizes...


Tecas

terça-feira, 15 de março de 2011

DEPOIMENTO de uma Portuguesa nascida em Angola

“Sou uma pessoa que nasceu em África e veio refugiada para Portugal em 1961, ou seja, no auge da então chamada Guerra Colonial. Por outro lado voltei para Portugal em 1970. Com isto quero dizer que vivi os três lados da questão:

- O primeiro, ainda pequena, sem perceber muito bem o que estava a acontecer, cuja memória mais marcante na altura, foi ver o meu irmão a fugir porque não queria "abandonar" o papá e terem sido designados dois lugares no avião para 2 adultos e cinco crianças, aliás aquilo não era um avião pois não se via o chão nem o tecto tal era o mar de gente. Independentemente de ter visto outras coisas horríveis, tais como pessoas gravemente feridas.

- O segundo, mais tarde, a despedida dum amigo que foi chamado a ir para o Ultramar - completamente horrível a imagem que ficou gravada na minha memória, do mar de gente a despedir-se dos seus entes queridos, para depois vir a saber que dois dias antes de regressar definitivamente, foi morto.

- O terceiro, talvez um pouco pior, tive um irmão na tropa que foi dado como desaparecido e na véspera, ou seja, quase 3 meses depois, da sua homenagem e do seu pretenso funeral, apareceu em casa dos meus Pais num estado lastimável. Nem imaginam o estado dele, tanto psicológica como fisicamente.

Tudo isto são histórias verdadeiras, que alguém já passou com mais ou menos dor, o que é facto é que estão guardadas na nossa memória. Serão recordações boas ou más? Não sei explicar. Para mim, e no meu caso pessoal têm os dois lados.
Ainda hoje, e por vezes com lágrimas nos olhos, ao ler linhas sejam em que forma de escrita sinto uma impotência, uma dor, uma revolta, enfim uma confusão de sentimentos.

A Todos os que passaram por esta Guerra um grande ABRAÇO.”

MG (Natural de Angola)
(Contributo enviado por e-mail)

Imagem: sapo.pt

segunda-feira, 14 de março de 2011

DOA

Andam cavalos à solta,
Loucos, em correrias sem destino,
Duendes do presente
Sem passados,
Mortos-vivos que não gritam
E que transitam …
Cavalos alados,
Ciganos de várias tribos,
Animais civilizados
Que regressam a estados primitivos,
Testemunhas de vários sóis,
Navegantes dos sertões,
Agonizando a ração,
Pasto para feras
Com bocas sujas e dentes cariados,
Coitados!...
Mandados por carniceiros com galões,
Carne para canhão
Metida num vagão …

Doa (Moçambique), 1972
Carlos Luzio – Moçambique 1970/1972
In: “pescador de sonhos – POEMAS DE GUERRA”
 edição póstuma, Bustos, 2005

In: noticiasdebustos.blogspot.com

sábado, 12 de março de 2011

MEMÓRIA DE UM SOLDADO DE VOLTA DA GUERRA



Regressei à minha terra
vindo de Alcácer-Kibir.
Trouxe a memória da guerra
nesta forma de sentir
a morte por todo o lado
uivando como um coiote.


Trago a memória da morte
no sonho despedaçado.


Trouxe a memória dos gritos
dos corpos semi-desfeitos,
trago a memória dos mitos
de orgulhos e preconceitos.


Trouxe nos olhos poentes
e horizontes esfumados
dos jovens ludibriados
por mentiras indecentes.


Trouxe comigo a derrota,
a mentira, a cobardia
e a miséria que suporta
um resquício de agonia.


Trouxe a mágoa reflectida
no rosto de uma mulher
que já não sabe o que quer:
— se quer a morte ou a vida.


Trago a saudade no peito,
trago uma esperança adiada,
trago esta forma sem jeito
de saudar a madrugada
no filho que irá nascer
e nos teus braços dormir,
no cravo que hás-de parir
quando a Paz reverdecer.











Não veio comigo o Rei.
Em Alcácer nunca o vi
e no tempo em que lutei
nunca ao meu lado o senti.


Estava longe, parece,
longe de mim, da Verdade.

Longe de mim, na Cidade
o Rei jaz morto e apodrece.


Vendo bem, não trouxe nada
do muito que então levei.
Trouxe a memória pesada
da vergonha que encontrei
e que regressa comigo:
— o povo que conheci
e contra o qual me bati
não era um povo inimigo!



Fernando Peixoto

terça-feira, 8 de março de 2011

A GUERRA

A hiena uivou toda a noite
o bicho esfomeado uivou toda a noite
as vozes saíram das casas
como o fogo se levanta das cinzas
altas todas juntas no medo
os dentes dos guerreiros
batiam sem parar
os pés das velhas juntaram-se para aquietar a poeira
um companheiro nosso não regressou
o filho único de nossas mães
não vai voltar de pé
é só o seu cheiro que volta agora
e um corpo separado daquilo que era antes
um filho dos nossos não regressou
a hiena uivou todo a noite
a terra ficou dura sob os nossos pés.

Ana Paula Tavares (Angola)
in: "Diz-me coisas amargas como os frutos"

Imagem: sapo.pt

domingo, 6 de março de 2011

Ai, S. Tomé, S. Tomé

















Ai, S.Tomé, S.Tomé.
Se não fosse...
...A saudade de casa, dos amigos
a minha precoce ilusão
a ânsia juvenil da descoberta
a minha pseudo afirmação...
...Se não fosse...
...A farda camuflada
os quartos de serviço
a G3 na minha mão
as faxinas no Casão e na Messe
os desfiles no Palácio da Governação...
...Se não fosse...
...O paludismo
em forte e insistente sezão
as micoses e o estômago debilitado
as cáries e a calvície em progressão...
...Se não fosse...
...As Baratas, Osgas e Matacanhas,
os Mosquitos e a Elefantíase em profusão
as “coçadeiras” nas virilhas
os muros e portas, feitos prisão...
...Se não fosse...
...O sonho Pátrio
que me incutiram por razão
o teu Povo apelidado
de inimigo, turra, espião...
Ai, se não fosse.



David Barreira
S.Tomé e Príncipe  
69/71

Imagem: sapo.pt

sábado, 5 de março de 2011

POEMA DO MILITANTE - (Cancioneiro do Niassa)


Mãe,
Eu tenho uma espingarda de ferro!
O teu filho,
Aquele a quem um dia viste acorrentarem
E choraste,
Como se as correntes prendessem e ferissem
As tuas mãos e os teus pés
O teu filho já é livre, Mãe!
O teu filho tem uma espingarda de ferro
A minha espingarda
Vai quebrar todas as correntes,
Vai abrir todas as prisões,
Vai matar todos os tiranos,
Vai restituir a terra ao nosso povo,
Mãe, é belo lutar pela liberdade!
Há uma mensagem de justiça em cada bala
que disparo
Há sonhos antigos que acordam como
pássaros
Nas horas de combate, na frente de batalha,
A tua imagem próxima desce sobre mim.
É por ti também que eu luto, Mãe.
Para que não haja lágrimas nos teus olhos.

Poema encontrado numa base da Frelimo, na zona do Lunho, Moçambique. Faz parte do "Cancioneiro do Niassa"

Imagem: sapo.pt