MOTE:

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
- Frase de um ex-combatente, anónimo.

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segunda-feira, 19 de março de 2012

FUGIR DO POEMA?


verdes eram os meninos
na idade e no fardar
feitos maduros jovens
no sofrer e no calar.

os pássaros
são cinza-cor
e trazem nas asas
a cruz de cristo!...
e cospem bombas.

meninos memórias-napalme
que tingiu  durante
três noites e iguais dias
o azul céu
e as albas nuvens,
em vermelho fogo
e negro morte.

verdes eram os meninos…
agora…
agora sonham e (re)vivem a só,
estar entre o seco capim
e o barrento pó,
e lembram
os cúmplices olhares
que acamaradavam
o medo que escondiam.

por companhia
a comunhão entre todos
os verdes meninos,
do fumo da suruma (1)
que lhes metralhava os pulmões
e aliviava a alma
e gritavam
sorriam
enquanto a tórrida cerveja
lhes camuflava os receios
que vestiam.

verdes eram os meninos…

esta a história
repetidamente sonhada,
pelos meninos verdes
sem sal
e com azar
vestidos de homens
e com ordem de matar
sem dó, nem pena
num duro e constante fingir

este o poema do qual
não consigo fugir!


eduardo roseira
  19/março/2012

(1): liamba, erva

Imagem: sapo.pt

domingo, 18 de março de 2012

Rebenta a manhã como um punhal


Rebenta a manhã como um punhal
de gritos
na caserna

O arame farpado
que serve de paredes frágeis a este quartel
improvisado
foi cortado durante a noite

Há marcas evidentes do inimigo
e da sua passagem traiçoeira
por aqui

Estremece o sangue nas veias
a raiva corta os pulsos
e o medo apodera-se de todos nós

Não há heróis!

De todos eles que eu conheço
existe apenas a cruz de guerra
entregue ao pai
ou ao filho que o pai não conheceu
e a memória sentida
escrita no mármore da sepultura

 Alvaro Giesta, em "Triângulo" - versos de guerra, amor e ódio (a publicar)
 Imagem: sapo.pt

sexta-feira, 16 de março de 2012

A ALDEIA




(sobre o massacre de Wiriamu)


I

Vede
a amabilidade das manhãs
exprimindo-se tão bem
por sobre o espaço das bombas.

E tudo se purifica
enquanto à toa
um sol difícil reclina
austral na nossa angústia
como estes pássaros brilhantes
debicando nos comprazidos escombros.

Cindidas para trás
as cidades com os impermeáveis de combate
perfilados aos ventos dos trópicos.
Delas partem os voos
migratórios dos motores
ou os azimutes fac-similados
dos profissionais.

Agora só perceptível
porque derrete à luz romântica
o horror míope dos astros
- deles a luz que pressaga
o remorso.

II

Mas são tão amáveis as manhãs
na aldeia sem frémito
e sem palavras dentro.
Os gritos já não regressam
aos gritos. E do capim
só a flor negra da sua memória
nos acena dos crepúsculos
assim fixos no poema.

De novo o giro do pó
tinge o horizonte
e um anjo negro limpa pacientemente
na face neutra das nuvens
o suor loiro dos hélices.





III

Quando o sono inquieta
demandaremos à pressa
círculos insubstituíveis.
Apalpões erguerão de nós
fragorosamente
o ímpeto fragmentado
desses mortos então maduros.

Porém do ar
a cada impulso de tédio
a aldeia casa a casa
filtra na candonga das celas
(de qualquer coração ínsuo)
a eternidade desbragada
na boca que não traiu.

E de um caminho exultante
músculos primigénios
emudecem acamaradam
proverbialmente
os olhos grandes das fogueiras:

«Se o céu tem emoções
é porque se tornou velho.»


Heliodoro Baptista
In: “Por Cima de Toda a Folha”

Imagem: sapo.pt