MOTE:

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
- Frase de um ex-combatente, anónimo.

Amigos

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

IRMÃO D'ARMAS

1.
O negro, aqui ao meu lado,
À flor deste chão sagrado,
Arma aperrada na mão,

Coroado,
Orvalhado (como eu) de imensidão,

E tão a mim aferrado
Em solidária
Solidão

- Não é negro negregado
mas soldado, meu irmão.

                    Ao José Valle de Figueiredo

2.
Morrermos no mesmo dia
Irmos por ermos irmão
Que onde antes aves havia
Onde sempre amanhecia
Sol no céu da solidão
Já só álgida nostalgia
Voa virada ao Verão
A apontar toda a apatia
Em que as estátuas estão.

Morrermos no mesmo dia
Pedras do mesmo padrão
Todo o condão e a magia
Toda a magia da acção
Gerando a interior geografia
De mapas sem dimensão.

Morrermos no mesmo dia
Noivos do mesmo nevão
Solidão por companhia
Manhã d'armas meu irmão!

Rodrigo Emílio
In: Antlogia Poética, Areias do Tempo, 2009

Imagem: sapo.pt

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A (minha) guerra...

A (minha) guerra;
Era a guerra do protocolo,
com desfiles
e charangas estridentes
frente ao Palácio do Governador.
Uma guerra de luvas brancas
cordões entrelaçados
e metais ofuscantes
ao tórrido sol da linha do Equador.
...A minha missão,
tantas vezes incutida
era ser o exemplo
da supremacia caucasiana
em contraste com a símia fealdade
do aborígene povo de cor...
…Serviu-se de mim o regime
como artefacto de propaganda
Para alardear
A superioridade do opressor. 


David Barreira
SMO em São Tomé e Príncipe
 In: Interioridades, Corpos Editora, 2003

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

MINA...


voei...

pousei
imóvel
surdo
mudo
estranhamente
atarantado...

o meu medo...
teve tanto medo
tando medo
que me abandonou
no preciso instante
em que a mina
rebentou.

Lúcio S. O Jesus
Moçambique
1972-1974

Imagem: sapo.pt

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Capitulo do livro "A Linguagem do Silêncio", de FERNANDO PEIXOTO


“Pensar a sós um passado comum, sujeito às falas de um presente diferente é a um tempo trair e conservar. E aceitar isso é assumir por fim o ter partido”.
                                                                                                
                                     Maria Velho da Costa, in: «Lugar Comum»

Muitos foram os anos da revolta e a pólvora das palavras encheu-nos a língua de um sabor a urtigas. Dia a dia procurámos a constelação perdida no universo plúmbeo da cidade em que crescemos. Das ruas, das travessas, das vielas e das ilhas esperámos longos anos o coche travestido de carro de David, com diamantes nas portas e safiras enormes nos olhos dos cavalos. Mas das ruas, das travessas das vielas e das ilhas chegaram-nos apenas os tectos baixos e escuros das casas pobres onde crescíamos numa fúria incontida de arrasar o espaço circundante. O furor dos nossos músculos crescia nos dentes que estalavam de raiva e um Ícaro teimoso ganhava asas nos olhos que desafiavam o limite da atmosfera.

Mas eu saí a barra, Lígia, durante semanas senti na fronte o salpicar de outras ondas, de outros mares e, durante anos, as pedras que pisei tinham por vezes a cor do sangue jovem, aquele que se recusa a coalhar durante intermináveis horas de revolta contra a inevitabilidade da morte.
Tu ficaste aqui, Lígia, entre o liceu e o cabeleireiro, entre o romance e o encontro furtivo no cinema, entre as amigas que nunca abandonaste nem esqueceste, entre as raízes cada vez mais longas do teu cotidiano citadino.
Eu saí a barra, Lígia, passei além do Bojador com a missão de destruir os padrões graníticos de Gil Eanes e de Gama, por vezes travestido de Veloso camoniano, impante das manchas que o império me concedia como medalhas arrogantes sobre a farda, e voltei mais pesado de medo, mais velho de angústia, mais ferido de náusea, mais gordo de História, com imagens de projécteis atravessando as minhas insónias frequentes.
            - Sabes o que é a Rocha do Conde de Óbidos?
            - Isso é no Tejo, não é? Passei lá uma vez, creio, quando fui com os meus pais visitar um navio de guerra. Ah! Gostei foi do Jardim Zoológico! Giro, giro!
            «Também eu», estive quase a dizer-te, mas contive-me a tempo. Como irias perceber o drama do gorila de Mayombe, preso ali, entre grades desgastadas pelos olhares estúpidos de milhares de mirones, definhando ao sol de Sete Rios a amargura de um exílio voluntário?
Vi-te então entre os milhares de turistas anónimos, fotografando a Lisboa do Parque Mayer, dos bares ínvios do Bairro Alto, da aldeia dos macacos, vi-te assestar a máquina sobre os braços do Cristo-Rei, preocupada com a neblina que o Tejo arrastara só para chatear e estragar o colorido do diapositivo da tua Kodak de bolso. E subir o Rossio para comprar um gelado, distender as pernas na relva do Parque e dar um salto à Estufa Fria.

Mas a essa hora, Lígia, a essa mesma hora, eu descia com muitos outros a Calçada da Ajuda rumo à Rocha do Conde de Óbidos onde um monstro de aço flutuante nos esperava.
No monumento às descobertas, em Belém, um grupo de provincianos multicolores saltava como os macacos em rodopio vertiginoso ante os aplausos de estrangeiro cor de trigo, enquanto sob a relva um casal se conhecia melhor, com as línguas entre as bocas e as coxas misturadas numa órbita de enguias.
Era ali, Lígia, que se dava o primeiro passo para o mistério do futuro, naquele cais de betão, tão longe e tão perto do folklore, do úisque e das máquinas fotográficas. Ali era a Rocha do Conde de Óbidos, abençoada por um monstro de cimento, prostrado de braços resignadamente abertos sobre um morro de Almada, assistindo impávido às partidas dos homens e ás chegadas das urnas.
- É no Tejo, é, Lígia! Nesse rio que há cinco séculos transformaram em antecâmara da morte.
Não, não me ouviste dizer isto porque, se os meus lábios se moveram, o som quedou-se nas catacumbas  da cobardia, era a linguagem do silêncio, um dialecto pessoal que nunca entenderias.
Sabes, Lígia, apetecia-me hoje falar-te da guerra, das serpentes assassinadas a tiro de G3, dos bailes de sábado à noite, do sabor agridoce do vinho da palmeira, cor de esperma, extraído pela manhã, e dos banhos nus nos riachos quentes, da pesca à granada, do fuzilamento nocturno da gazela virgem, do Cruzeiro do Sul reflectindo-se nas águas do Chiloango, do pé do cabo Maianga a despedir-se do dono e a aproveitar o ímpeto da mina para voar até á copa de uma árvore, lado a lado com o pneu do unimogue.
Mas calo-me, Lígia, deito-me, viro-me, e releio João de Melo que me entende melhor e me sussurra numa confidência íntima «a guerra é toda a África lúcida, um incêndio frenético, batuque de liberdade em cada sábado que não é uma véspera dos domingos».
Se eu tivesse aqui o pavilhão de madeira do gordo cabo-verdeano Sambo, onde o merengue rebentava nas noites de sábado, levava-te comigo, Lígia. Talvez assumisses a cor do desespero que nunca bronzeou teu corpo nórdico.

                                         Fernando Peixoto, in: “A Liguagem do Silêncio”
                                     – Ciclo da Guerra Colonial – II, Porto, 1984 
Imagem: sapo.pt


                                                            

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

DOIS TESTEMUNHOS sob anonimato.


Via e-mail, recebi estes dois testemunhos, de ex-combatentes que solicitaram o anonimato:

Os que viveram o interior da guerra, ficaram com a porta da memória permanentemente aberta.
Memória que é abafada pela imensa revolta, devido ao abandono e ingratidão a que, depois do 25 de Abril de 1974,  ex-combatentes de ambos os lados foram votados.
As marcas da guerra continuam cá dentro, porque essas são como as feridas deixadas pelas granadas de fósforo…, podem atenuar, mas nunca fecham!

                                                           ? - Angola - 1968/1971


A ironia da vida é mesmo puta, durante a guerra NUNCA fugi e tive medo. Depois da guerra, sem medo, fugi.
Esta a triste condição dum ex-combatente e simultaneamente, forçado a ser deslocado (pós-)guerra.

?- dupla qualidade de ex-combatente e "retornado" - Angola - 1970/1973

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

TREVO DA SORTE


de espingarda na mão
baixou-se para apanhar
um trevo
que dizem ser
dos da sorte.

ouviu-se a explosão.

foi quando se deixou agarrar
pelo vento que trazia
a aragem da morte.

eduardo roseira
In: "o sorriso de deus", lavra...Editorial,Gaia, 2003


Imagem: colagem de eduardo roseira

domingo, 13 de fevereiro de 2011

APENAS SOLDADO

                          

Ribombam os canhões na alvorada que desperta
Chora a Pátria a dor dessa ferida exangue aberta
E o toque do clarim que p´ra luta nos atira
Avisa o pelotão que nas armas façam mira
Na cadência da marcha que te arrasta para a guerra
Soldado…Tu estás só!
E a Pátria que te exulta para a luta de ti espera
Que tu, Soldado…De TI não tenhas dó.
No ventre que te gerou, marcam-te a vida,
E como ferro em fogo de insígnia desmedida
Sem dó te marca a sorte e atira ao cadafalso.
Impune e sem sentido fazem de ti um herói falso
Herói sem nome e sem rosto
De quem só sobra desgosto desse ser feito algarismo
Que de si nada deixou para além de um negro abismo
E um vazio de dor no ventre que o pariu
Já que a bravura empenhada naquela luta malvada
Foi por causas que não viu
Buscas agora repouso na sombra de uma bandeira
Que não se deu em mortalha
Mas te guiou na alvorada de alma plena e lavada
Para o ninho da metralha
Sangue da carne a jorrar
Soldado, deves calar a dor que trespassa o ventre
E por bendito ser Deus para te por lá nos céus
Encara a morte de frente
Roubaram-te os sonhos na madrugada
Roubaram-te a vida, deram-te nada,
Deram-te esperanças cretinas e ganas assassinas
Que te trocaram a sorte
E no toque do clarim deram o princípio do fim
Nem te exultaram na morte
Herói sem nome e sem rosto que morreste no teu posto
Deixaste a arma a teu lado
Não te adianta o desgosto de quem te recorda o rosto
Tu foste APENAS SOLDADO


                     Charles Sotam – Setúbal
                    (Cumpriu S.M.O. em Moçambique)


NOTA: Este poema veio com esta mensagem: “…boa noite,espero que tudo por ai esteja indo nos conformes, por cá vamos MARCHANDO como Deus e o Sócrates vão deixando.
Adorei a tua ideia do blog e espero que tenhas o sucesso que mereces. Acabei por recordar este poema que UM dia SAIU e que como todos os outros aguardava o momento adequado para ver a luz do dia. Espero que gostes, e se assim decidires, toca-o para a frente.
Considera-o como um desabafo, e que sirva para avivar a memória daqueles que tão rapidamente nos esqueceram…

Imagem: sapo.pt

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

PORTUGAL, TANTOS DE TAL...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que a rocha do cais de Alcântara-Mar
me acenou, e intimou os oceanos
a abrirem alas aos meus vinte-e-quatro anos,
a abrirem-lhes os portais, de par em par...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que troquei com Lisboa um longo olhar...

(...E, à medida
que a expressão, transida,
do semblante da cidade-mater benquerida,
sancionava os paramentos
da partida,

vinham de lá os mais nevoentos
dos seus ventos,
em comitiva desabrida,
apresentar cumprimentos
de despedida.).

Foi a esta mesma hora, d'outros tempos,
que a Vida deu mais vida à minha vida.

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que a marítima gare de Alcântara-Mar
agitou as mãos, drapejou lenços, desfraldou panos,
aclamou, votoriou milicianos
e, de mim se foi sumindo, devagar...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que aprendi a bem-amar o alto-mar!...

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que, nas asas do azul mais excitante,
fui chamado a render os veteranos,
com a minha elevação a alferes-infante;
os que lá, nos quadrantes africanos,
finda a sua campanha extenuante,
concitavam o advento de esquadrões pretorianos
que levassem o combate por diante...!

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
num fim de tarde tão distinto quão distante...,
que o sextante testou ombros e planos,
e eu me rendi, pelo espaço de um par de anos,
ao meridiano encantamento do Levante!

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que a Pátria talhou prôas no meu peito,
e que o ideal dos lusitanos,
indiferente quer a perdas quer a danos,
ou a penas e peninhas d'outro jeito,
passeou os seus vinte e quatro anos, soberanos,
p'lo mastro principal do «Príncipe Perfeito»!

Foi por esta mesma hora, há trinta anos,
que o Sonho se cumpriu! Sonho desfeito...

Foi por esta mesma hora, qque recordo
e que nunca por nunca mais enterro,
que a minha ansiedade entrou a bordo,
que todo o meu ardor levantou ferro!

Foi por esta mesma hora, d'outra idade -
- quando o lance de partir era critério,
e a Vida era Verdade, e a mocidade
rumava d'hemisfério a hemisfério... -,
foi por esta mesma hora, de ouro e jade,
que a saudade criou ferida
e a cidade diluída me fitou bastante a sério.

Fim-de-tarde...
Fim-de-Vida...
Fim-de-dia...
Fim-d'Império...! 

Rodrigo Emílio - (escrito em 1998)
In: "Antologia Poética", Areias do Tempo, Coimbra, 2009

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

ALCÂNTARA-MAR


Lenços brancos a acenar,
angústias e arrepios,
no cais esperam navios
sedentos de céu e mar.

Vão enchendo os seus porões
as caravelas de Agosto
de soldados contragosto
que «marcham contra os canhões»..

E tantas boinas com fitas,
ai! quantas botas com cardas
e, prisioneiras das fardas,
as nossas almas aflitas!

Num oceano de medo
há uma raiva amordaçada,
nesta nação adiada,
com seus heróis de arremedo.

Quantos sonhos adiados
e quanto olhar inocente!
Não somos gado nem gente
na leva dos condenados.

Ó seiva de Portugal,
pelo bolor corrompida,
fazendo a guerra perdida
do Império Colonial!

Abdul Cadre – (Vendas Novas)
In: “Matope”, 1982

PORQUE 50 ANOS DEPOIS, A GUERRA AINDA RESPIRA


Oh vó,o avô andou de verdade na guerra?
Era muito longe? Como se chamava a terra?
Demorou mais que uma semana a lá chegar?
Ele não teve medo de ir tantos dias no mar?
Não podia discordar, dizer que não queria ir?
E se ele se revoltasse ou até tentasse fugir?
O avô era tão magrinho!Quantos anos tinha?
A mãe dele deve ter chorado muito quando ficou sózinha
Era muito tempo...dois anos, dois anos e tal!
Iam só soldados nossos, só daqui de Portugal?
Nessa altura, ele já era o teu namorado?
Deve ter sentido tantas, tantas saudades, coitado!
Avô tinhas roupas de tropa?E metralhadora também?
Sabes, eu acho que tu nunca mataste ninguém
Viste algum dos teus amigos morrer ou ficar deficiente?
E depois, ficavam lá? Que faziam a essa gente?
Olha avô, sei que não foste feliz. Tenho a certeza.
Porque na terra da guerra há fome, há dor, há tristeza.


Assim questionam os netos para tentar perceber
As lágrimas de recordar o tempo que faz sofrer.
Se para mais não serviu essa dura realidade
Que ao menos os jovens saibam o preço da liberdade.
Aproveitem a alegria e a força de ser capaz
De ter voz neste país e encher as ruas de PAZ.
E não esqueçam que a vida corre tão rapidamente
Que ABRIL, é o sol de um dia, numa PRIMAVERA ausente


Maria de Lourdes dos Anjos

 In: "Poetas de Sempre" + Tripeiramente/http://lourdesdosanjos.blogspot.com/

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

GUERRA COLONIAL COMEÇOU HÁ 50 ANOS!


Na madrugada de 4 de fevereiro de 1961, o ataque a Cadeias e a uma esquadra da P.S.P. - Polícia de Segurança Pública, de Luanda, Angola, marcava o início de uma guerra, que uns chamam de "Colonial", outros "do Ultramar" e também "de Libertação".

Uma guerra que marcou mais de um milhão de portugueses, e que TERMINOU, no terreno, vai para 37 anos, com o 25 de abril de 1974. Contudo CONTINUA a fazer sofrer muitos milhares de ex-combatentes das Forças Armadas portuguesas e dos Movimentos de Libertação de Angola, Guiné e Moçambique, e em simultâneo os familiares destes e também os que perderam os seus entes queridos, fossem eles soldados ou civis!

ESTE BLOG PRETENDE MANTER VIVAS AS MEMÓRIAS DE TODOS OS QUE TOMBARAM NOS TEATROS DE GUERRA, DE LEMBRAR QUE AINDA EXISTEM MILHARES DE EX-COMBATENTES E AS SUAS FAMÍLIAS QUE VIVEM (sem apoio) COM PROBLEMAS DE DIVERSA ORDEM QUER PSICOLÓGICA, COMO NALGUNS CASOS, SOCIAL. 
São os abandonados por um País que de um momento para o outro, parece não querer reconhecer como seus filhos, os que um dia os enviou para a guerra!

Muitos deles, como ouvi um dia um ex-combatente dizer, são "...autênticas bombas abandonadas..."
Neste espaço irei colocar todos os desabafos, comentários e contributos dos que tem algo para dizer e que fique para as actuais e as futuras gerações, saibam as histórias que a História por vezes não conta.

É que UMA GUERRA, MESMO DEPOIS DE ACABAR, NUNCA MAIS TEM FIM!!!

                                                                           - X - X- X -

Alguns poemas sobre o tema - Guerra -

arma em bandoleira
apontada para a mata
segue em fileira
pela velha picada.

ouvido atento - emboscada
olhar desperto - mina
perder tudo - num nada
nesta paz assassina.

eduardo roseira

AS MEDALHAS...

entre minas
emboscadas
e cruzamentos
de metralhas...
ganhei várias
medalhas...

da guerra
coube-me em sorte
uma medalha...
...a da morte...

da juventude
com futuro distante
coube-me
uma medalha...
feita de sangue...

do ser mau
vil e atroz
por via da chamada
"lei" da sobrevivência
deram-me
a medalha...
...da violência...

do hábito
de tanto ouvir
o terror
em cada grito
ganhei outra
medalha...
...a de achar tudo...
...normal e bonito...

do para 
não morrer
matar...
matar...
a guerra era
de forma animal
uma autêntica festança
onde tudo era normal:
- aniquilar homem
mulher
ou criança...
e por tal
tive
a medalha...
...da matança...

hoje recordo
o cumprir da ordem
na certeza do dever
e de na melhor desordem
provocar sofrimento
matando para não morrer
na mais digna...
...indignidade.
cumprindo a cada momento
o comprar do amanhã/idade
e ganhando
a medalha...
...do esquecimento...

eduardo roseira
    3-fev-2011
      VNGaia