MOTE:

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
- Frase de um ex-combatente, anónimo.

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POESIA & PENSAMENTOS


STRESS DE GUERRA...

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
                                                                         Ex-combatente, anónimo.                        


os meus sonhos
não os temo.
receio, isso sim,
as ideias que vivem
dentro de mim...

eduardo roseira


Imagem: sapo.pt

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CRUELDADE

Caíram todos na armadilha
dos homens postados
à esquina

E de repente
no bairro acabou o baile
e as faces endureceram na noite

Todos perguntam por que foram presos
ninguém o sabe
e todos o sabem afinal

E ficou o silêncio
dum óbito sem gritos
que as mulheres agora choram

Em corações alarmados
segredam místicas razões

Da cidade iluminada
vêm gargalhadas
numa disciplina cruel

Para banalizar um acontecimento
quotidiano
vindo no silêncio da noite
do musseque Sambizanga
                        - um bairro de pretos!

Agostinho Neto – Angola

MEU PREÇO

Eu cidadão anónimo
do País que mais amo sem dizer o nome
se é para me dar de corpo e alma
dou-me todo como daquela vez em Chaimite.
Dou-me em troca de mil crianças felizes
nenhum velho a pedir esmola
um escola em cada bairro
salário justo nas oficinas
filas de camiões carregados de hortaliças
um exército de operários todos com serviço
um tesouro de belas raparigas maravilhando as praias
e ao vento da minha terra uma grande bandeira sem quinas.

Se é para me dar
dou-me de graça por conta disso.

Mas se é para me vender
vendo-me mas vendo-me muito caro.

Ao preço incondicional
de quanto me pode custar este poema.

José Craveirinha – Moçambique

DEIXAI-NOS CAMINHAR

Deixai-nos caminhar!
até chegar ao fim
pior é morrer, parar
entre o não e o sim.

Deixai-nos caminhar!
Até parir estrelas
O sangue que sangrar
fará as vidas belas!

Vasco Cabral – Guiné Bissau

MEU CANTO EUROPA

Agora,
Agora que todos os contactos estão feitos,
As linhas dos telefones sintonizadas,
Os espaços dos morses ensurdecidos,
Os mares dos barcos violados,
Os lábios dos risos esfrangalhados,
Os filhos incógnitos germinados,
Os frutos do solo encarcerados,
Os músculos definhados
E o símbolo da escravidão determinado.

Agora,
Agora que todos os contactos estão feitos,
Com a coreografia do meu sangue coagulada,
O ritmo do meu tambor silenciado,
Os fios do meu cabelo embranquecidos,
Meu coito denunciado e o esperma esterilizado,
Meus filhos de fome engravidados,
Minhas  estátuas de heróis dinamitadas,
Meu grito de paz com chicotes abafado,
Meus passos guiados como passos de besta,
E o raciocínio embotado e manietado,


Agora,
Agora que me estampaste no rosto
Os primores da tua civilização,
Eu te pergunto, Europa,
Eu te pergunto: AGORA?

Tomaz Medeiros – São Tomé e Princípe

VELHAS FLORESTAS DE AGORA

Eu tinha uma floresta
quando era pequenino.
Ela era na montanha
no alto lá dos altos.
As florestas serviam
para todos brincarmos.
Espécie de poesia
de árvores e bichos:

o perfume do sândalo
a paz da casuarina
a flor do cafeeiro
a altura dos coqueiros
a cor da bananeira
o estilo dos bambus
os laços dos cipós
o riso dos macacos
o salto dos veados
o canto dos loricos.
As florestas serviam
para todos brincarmos.

Mas não era verdade.
Ilusão de meninos.
As florestas serviam
desde séculos e séculos
como templo sagrado
de rezar liberdade.

Nossos pais e avós
nas florestas secretas
iam gritar sua revolta
e rezar liberdade.
E escreviam no chão
e escreviam nas pedras

e escreviam nas árvores
contra o seu opressor
as palavras precisas
de rezar liberdade.
E ainda servem agora
a heróis guerrilheiros
como templo sagrado
de rezar liberdade!

Fernando Sylvan – Timor

NÃO ME APRISIONEM OS GESTOS

Não me aprisionem os gestos
a criança ainda não desertou

Ainda sonho cavalgadas de estrelas
e danças lúbricas de flores
em madrugadas azuis
e jardins suspensos de ouro
e crianças aladas a brincar
e gargalhadas de prata.

Não me aprisionem os gestos
que o mar não me cabe no dedal
e meus gestos têm a sugestão do mar
o mistério das ondas do mar
a comunicabilidade do mar.

Levem-me a Lógica
fiquem com a Política
roubem-me a Metafísica
tirem-me a roupa
e deixem-me morrer de fome.

Porém não me aprisionem os gestos
que uma ave sem asas não é ave.

E que diria o meu eu-adulto
ao meu eu-criança
- o único afinal –
que sabe viver em sonho e poesia?

Ah por favor
não me aprisionem os gestos
que a criança em mim não desertou ainda.

Ovídio Martins – Cabo Verde