MOTE:

"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."
- Frase de um ex-combatente, anónimo.

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domingo, 7 de outubro de 2012

Apresentação do Livro de Poesia "Há o silêncio em volta", de Álvaro Giesta, em Rio Mau/Penafiel

Texto da autoria de Eduardo Roseira, na apresentação do livro de poesia “há o silêncio em volta”, e do seu autor Álvaro Giesta, no dia 6 de Outubro de 2012, no Clube Social de Rio Mau, em Penafiel.
 
Boa Tarde,
 
Dizem que “De poeta e louco todos temos um pouco”. E é bem verdade, contudo, se há os que se assumem como poetas, poucos são os que reconhecem que são loucos, digo isto porque só mesmo um louco é que cometia o disparate de me convidar para fazer a apresentação de um livro, mas já que isso aconteceu, só tenho a agradecer tal escolha, pois pela primeira vez na minha vida, e o mais certo é que seja a última, vou ter a oportunidade de estar no papel de critico literário ao apresentar o livro e o autor, ainda por cima que só hoje é que conheci pessoalmente.
Ou seja, como me deram, enfim, direito aos meus minutos de fama, para dizer o que criticamente analisei no livro “Há o Silêncio em Volta”; para poder tratar o seu autor, não pelo nome ou pseudónimo, mas pelo pomposo termo técnico-literário, de “ o sujeito poético” e, para logicamente, deixar nas vossas memórias uma lição sobre o que é a poesia.
E é precisamente por aqui que eu vou começar, perguntando-vos:
- O QUE É A POESIA???
Vá lá respondam, e digam-me numa só palavra: “O que é a Poesia?” (Perguntar ao público)
 
Pois, podemos com essas vossas palavras (1) “conjunto” – “pensamento” – “dor” – “esperança” – “sentir” – concluir que: “Poesia é uma Ilha rodeada de palavras por todos os lados!”, o autor desta frase é o poeta brasileiro, Cassiano Ricardo.
Quanto à lição de Poesia, uff, tarefa cumprida!
 
Passemos agora à apresentação do autor, tarefa que é muito difícil, senão impossível, pois como referi no início, só o conheço do “facebook” e da troca de algumas mensagens, ou seja, é aqui que entra o meu eu/crítico literário, que para brilhar como tal, vai andar à procura do “sujeito poético”, e como acontece normalmente, não o encontrando no livro desata a compará-lo com os nomes mais sonantes da nossa literatura.
Garanto-vos que eu li esta obra da primeira à última página, voltei a reler da última página até ao início do livro, olhei até, por diversas vezes para o índice, coloquei o livro de pernas para o ar, e nem assim, encontrei o Fernando Pessoa; o Camões; o Eça: a Florbela; Eugénio; Sophia e nem mesmo o José Saramago. Por tal comecei a ficar com dúvidas sobre as minhas capacidades de crítico literário, pois não o consegui comparar com nenhum autor consagrado, pelo que concluí que o melhor é aconselhar-vos a lerem o livro e na contracapa vão ficar a saber quem é o Álvaro Giesta.
 
Chegamos então à parte da apresentação em que cabe ao meu eu/crítico literário, já que não consegui comparar o poeta Álvaro Giesta, com os seus pares consagrados, dissecar página a página, poema a poema e retalhar verso a verso, e partir para uma desfilada de palavreado rebuscado no dicionário e desatar a ver imagens que não estão no livro e a encontrar cenários que só estão na minha cabeça de pseudo-crítico literário, que nunca fui e que para vossa felicidade, não quero ser.
 
Daí que já podem respirar fundo pois a minha tarefa como “crítico literário” terminou e regresso ao meu eu, meu eu que no campo da poesia, ou gosta ou não gosta, e no caso deste “Há o Silêncio em Volta”, gostei e nada de confundirem com o “like” do Facebook. Gostei mesmo.
 
Quanto ao autor e ao livro, a mim Eduardo Roseira, leitor, cabe-me fazer a seguinte….:
 
 
CONFISSÃO (que dedico…)
Aos
Poeta Álvaro Giesta
e  ex-combatente Fernando Reis
 
ao ler-te e reler-te
desfiz todas as dúvidas
sobre a possibilidade
da intimidade entre
o leitor e o autor.
e o de se poderem criar laços
entre dois seres
que não se conhecendo…
conhecem-se afinal
desde sempre.
 
por isso, preciso confessar-te que:
 
contigo,
viajando nos teus poemas/barco
visitei e percorri lugares por essa África distante,
e em nós sempre presente,
onde construíste teus versos.
contigo,
conheci a musa de todas
as tuas inspirações
sofri  de novo emboscadas
e senti  velhas interrogações.
 
contigo,
meu camarada, irmão
aprendi que às vezes na poesia
há o silêncio em volta
que sem sofrimento
nos leva a um reencontro
com as sensações perdidas,
porque fechadas no baú do esquecimento…
 
(Eduardo Roseira, Vila Nova de Gaia, 1 de Outubro de 2012)
 
Permitam-me que cite José Saramago quando refere que: “Todos os livros deviam ser vendidos com uma cinta a envolvê-los, com os seguintes dizeres: - Cuidado, tem uma pessoa dentro!”
 
Este livro que nos trouxe aqui hoje, tem uma pessoa dentro, que se chama Fernando Reis, o ex-combatente, que empresta o corpo ao Poeta Álvaro Giesta.
 
Poeta que sem ter nascido em África, viu África nascer dentro de si, por ter vivido em Angola desde 1961 até 1975, e como ele refere com boas e menos boas vivências, entre as quais, as que levaram o Poeta a vestir um camuflado militar. E é nestas imagens que eu começo a identificar-me com o Fernando e com o Álvaro. Com a continuidade da leitura do “Há o Silêncio em Volta”, dei comigo, na igualmente qualidade de ex-residente em África (Moçambique), de ex-combatente e de ter regressado a Portugal Continental “com um carimbo  que dizia: - Devolva-se ao remetente!”.
 
Como se estas coincidências da vida não bastassem, concluí que eram tantas as semelhanças do livro que me atrevo a dizer que ele é um “plágio”, não, não se assustem, pois é apenas “plágio” que transmite poeticamente, os ecos das ideias; das imagens; do sofrimento; da dor; que nós, a maioria dos ex-combatentes, trazemos guardadas no fundo das nossas almas revoltadas e que temos medo de expor; vergonha até de pensar; quanto mais de falar e, pior ainda, de escrever, mas que o Álvaro Giesta, em silêncio poeticamente gritado, coloca a sua caneta nas feridas, umas vezes em forma de dedo acusador, outras como que a colocar um penso nas mesmas, assumindo a real função do poeta, que é a de ser um “Verdadeiro Enfermeiro da Alma”, e assim fazer juz ao seu verso da página 83, quando escreve:
 “Não às palavras que ficam por dizer!”.
 
Em nome de todos os combatentes, expresso a gratidão de teres tido a coragem de quebrar o silêncio que há dentro de nós e o que nos é “imposto” há nossa volta…neste último caso, refiro-me mais concretamente ao silêncio que nos tem sido sub-repticiamente imposto pelos sucessivos governos, quando referes na página 48, que…:
            “…No cérebro a dúvida se vale a pena
              esta carícia
              da pátria agradecida.
 
              Puta de pátria que tais filhos, pares,
              para lhes agradeceres
              aos coices!”
 
Gratidão também, de em nosso nome dares uma lição, na página 70, aos que estão…:
            “…No alto
              milhões de minúsculos sinais
              luminosos
              enganam-nos com a promessa
              de que é preciso fabricar a guerra
              para fazer a paz”
 
lição que é difícil eles aprenderem, porque “A paz é podre…, porque é paz!”
 
Obrigado por na página 77 nos ajudares…:
           
“…a enterrar os mortos
         a curar as feridas dos vivos
         e a secar as suas lágrimas
         angustiados.”
 
 Saramago disse, repito, que os livros deviam ser vendidos com uma cinta a dizer: “ – Cuidado, tem uma pessoa dentro!”, ele que me perdoe, mas este teu/nosso “Há o Silêncio em Volta”, deve ser vendido com uma cinta a dizer: “ - Muito cuidado, tem várias pessoas dentro!”
 
É que além de eu me ter (re)encontrado, nele estão também o Abreu Gomes; o Santos Costa; o “Chico Fininho”; o Cabo Enfermeiro Ferreira, negro que mais tarde pertenceu ao Comité Central da UNITA; o “Chico Nhô” o “Mais Velho”, a bela Teresinha; os milhares de ouvintes do Rádio Clube do Huambo; todos os nossos camaradas ex-combatentes, especialmente os das tuas C. Caç. 205 e do B. Caç. 2911; a minha C. Caç. 18 do B. Caç. 18 e o 606 dos GE, também encontrei aqui o velho criado que dizia que “A noite tem Kazumbir/Fantasma!”, todos eles a par do Álvaro Reis e do Fernando Giesta.
Obrigado e aguardamos os outros dois livros desta trilogia, que dá pelo nome de “Veredas”.
 
 
Penafiel – Rio Mau
6 de Outubro de 2012
 
 
(Eduardo Roseira)
(1)   Palavras que foram pedidas a algumas pessoas do público.