O primeiro sopro arrancou-lhe a roupa;
o imediato levou também a carne.
Ao longo da rua
durante alguns segundos correu o esqueleto.
Mas a rua já não estava,
estava toda no ar;
de lá caíam bocados de prédios, bocados
de crianças, restos de cadilaques...
O esqueleto não compreendia sozinho
aquela situação:
deixou-se tombar sobre algumas pedras radioactivas
e permitiu na queda o extravio de alguns ossos.
(Caso curioso: o coração
pulsou ainda três ou quatro vezes
entre o gradeamento das costelas.)
Egito Gonçalves
In: "Das Tripas Coração"
Campo das Letras, Porto 2001
Páginas
MOTE:
"Eu sou uma autêntica bomba abandonada! Temo explodir a qualquer momento..."- Frase de um ex-combatente, anónimo.
Amigos
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
domingo, 7 de outubro de 2012
Apresentação do Livro de Poesia "Há o silêncio em volta", de Álvaro Giesta, em Rio Mau/Penafiel
Texto da autoria de Eduardo
Roseira, na apresentação do livro de poesia “há o silêncio em volta”, e do seu
autor Álvaro Giesta, no dia 6 de Outubro de 2012, no Clube Social de Rio Mau,
em Penafiel.
Boa
Tarde,
Dizem
que “De poeta e louco todos
temos um pouco”. E é bem verdade, contudo, se há os que se
assumem como poetas, poucos são os que reconhecem que são loucos, digo isto
porque só mesmo um louco é que cometia o disparate de me convidar para fazer a
apresentação de um livro, mas já que isso aconteceu, só tenho a agradecer tal
escolha, pois pela primeira vez na minha vida, e o mais certo é que seja a
última, vou ter a oportunidade de estar no papel de critico literário ao
apresentar o livro e o autor, ainda por cima que só hoje é que conheci
pessoalmente.
Ou
seja, como me deram, enfim, direito aos meus minutos de fama, para dizer o que
criticamente analisei no livro “Há
o Silêncio em Volta”; para poder tratar o seu autor, não pelo nome
ou pseudónimo, mas pelo pomposo termo técnico-literário, de “ o sujeito poético”
e, para logicamente, deixar nas vossas memórias uma lição sobre o que é a
poesia.
E
é precisamente por aqui que eu vou começar, perguntando-vos:
-
O QUE É A POESIA???
Vá
lá respondam, e digam-me numa só palavra:
“O que é a Poesia?” (Perguntar ao público)
Pois,
podemos com essas vossas palavras (1)
– “conjunto” – “pensamento”
– “dor” – “esperança” – “sentir” – concluir que: “Poesia é uma Ilha rodeada de
palavras por todos os lados!”, o autor desta frase é o
poeta brasileiro, Cassiano Ricardo.
Quanto
à lição de Poesia, uff, tarefa cumprida!
Passemos
agora à apresentação do autor, tarefa que é muito difícil, senão impossível,
pois como referi no início, só o conheço do “facebook” e da troca de algumas
mensagens, ou seja, é aqui que entra o meu eu/crítico literário, que para
brilhar como tal, vai andar à procura do “sujeito poético”, e como acontece
normalmente, não o encontrando no livro desata a compará-lo com os nomes mais
sonantes da nossa literatura.
Garanto-vos
que eu li esta obra da primeira à última página, voltei a reler da última
página até ao início do livro, olhei até, por diversas vezes para o índice,
coloquei o livro de pernas para o ar, e nem assim, encontrei o Fernando Pessoa;
o Camões; o Eça: a Florbela; Eugénio; Sophia e nem mesmo o José Saramago. Por
tal comecei a ficar com dúvidas sobre as minhas capacidades de crítico
literário, pois não o consegui comparar com nenhum autor consagrado, pelo que
concluí que o melhor é aconselhar-vos a lerem o livro e na contracapa vão ficar
a saber quem é o Álvaro Giesta.
Chegamos
então à parte da apresentação em que cabe ao meu eu/crítico literário, já que
não consegui comparar o poeta Álvaro Giesta, com os seus pares consagrados,
dissecar página a página, poema a poema e retalhar verso a verso, e partir para
uma desfilada de palavreado rebuscado no dicionário e desatar a ver imagens que
não estão no livro e a encontrar cenários que só estão na minha cabeça de
pseudo-crítico literário, que nunca fui e que para vossa felicidade, não quero
ser.
Daí
que já podem respirar fundo pois a minha tarefa como “crítico literário”
terminou e regresso ao meu eu, meu eu que no campo da poesia, ou gosta ou não
gosta, e no caso deste “Há o Silêncio em Volta”, gostei e nada de confundirem
com o “like” do Facebook. Gostei mesmo.
Quanto
ao autor e ao livro, a mim Eduardo Roseira, leitor, cabe-me fazer a seguinte….:
CONFISSÃO (que
dedico…)
Aos
Poeta Álvaro Giesta
e ex-combatente Fernando Reis
ao ler-te e reler-te
desfiz todas as dúvidas
sobre a possibilidade
da intimidade entre
o leitor e o autor.
e o de se poderem criar
laços
entre dois seres
que não se conhecendo…
conhecem-se afinal
desde sempre.
por isso, preciso
confessar-te que:
contigo,
viajando nos teus
poemas/barco
visitei e percorri
lugares por essa África distante,
e em nós sempre presente,
onde construíste teus
versos.
contigo,
conheci a musa de todas
as tuas inspirações
sofri de novo emboscadas
e senti velhas interrogações.
contigo,
meu camarada, irmão
aprendi que às vezes na
poesia
há o silêncio em volta
que sem sofrimento
nos leva a um
reencontro
com as sensações perdidas,
porque fechadas no baú
do esquecimento…
(Eduardo Roseira,
Vila Nova de Gaia, 1 de Outubro de 2012)
Permitam-me
que cite José Saramago quando refere que: “Todos
os livros deviam ser vendidos com uma cinta a envolvê-los, com os seguintes
dizeres: - Cuidado, tem uma pessoa dentro!”
Este
livro que nos trouxe aqui hoje, tem uma pessoa dentro, que se chama Fernando
Reis, o ex-combatente, que empresta o corpo ao Poeta Álvaro Giesta.
Poeta
que sem ter nascido em África, viu África nascer dentro de si, por ter vivido
em Angola desde 1961 até 1975, e como ele refere com boas e menos boas
vivências, entre as quais, as que levaram o Poeta a vestir um camuflado
militar. E é nestas imagens que eu começo a identificar-me com o Fernando e com
o Álvaro. Com a continuidade da leitura do “Há o Silêncio em Volta”, dei
comigo, na igualmente qualidade de ex-residente em África (Moçambique), de
ex-combatente e de ter regressado a Portugal Continental “com um carimbo que dizia: - Devolva-se ao remetente!”.
Como
se estas coincidências da vida não bastassem, concluí que eram tantas as
semelhanças do livro que me atrevo a dizer que ele é um “plágio”, não, não se
assustem, pois é apenas “plágio” que transmite poeticamente, os ecos das
ideias; das imagens; do sofrimento; da dor; que nós, a maioria dos
ex-combatentes, trazemos guardadas no fundo das nossas almas revoltadas e que
temos medo de expor; vergonha até de pensar; quanto mais de falar e, pior
ainda, de escrever, mas que o Álvaro Giesta, em silêncio poeticamente gritado,
coloca a sua caneta nas feridas, umas vezes em forma de dedo acusador, outras
como que a colocar um penso nas mesmas, assumindo a real função do poeta, que é
a de ser um “Verdadeiro
Enfermeiro da Alma”, e assim fazer juz ao seu verso da página 83,
quando escreve:
“Não às palavras que ficam por
dizer!”.
Em
nome de todos os combatentes, expresso a gratidão de teres tido a coragem de
quebrar o silêncio que há dentro de nós e o que nos é “imposto” há nossa
volta…neste último caso, refiro-me mais concretamente ao silêncio que nos tem
sido sub-repticiamente imposto pelos sucessivos governos, quando referes na
página 48, que…:
“…No
cérebro a dúvida se vale a pena
esta carícia
da pátria
agradecida.
Puta de pátria
que tais filhos, pares,
para lhes
agradeceres
aos coices!”
Gratidão
também, de em nosso nome dares uma lição, na página 70, aos que estão…:
“…No
alto
milhões de
minúsculos sinais
luminosos
enganam-nos com a
promessa
de que é preciso
fabricar a guerra
para fazer a paz”
lição
que é difícil eles aprenderem, porque “A
paz é podre…, porque é paz!”
Obrigado
por na página 77 nos ajudares…:
“…a
enterrar os mortos
a curar as feridas dos vivos
e a secar as suas lágrimas
angustiados.”
Saramago
disse, repito, que os livros deviam ser vendidos com uma cinta a dizer: “ – Cuidado, tem uma pessoa
dentro!”, ele que me perdoe, mas este teu/nosso “Há o Silêncio em Volta”,
deve ser vendido com uma cinta a dizer: “
- Muito cuidado, tem várias pessoas dentro!”
É
que além de eu me ter (re)encontrado, nele estão também o Abreu Gomes; o Santos
Costa; o “Chico Fininho”; o Cabo Enfermeiro Ferreira, negro que mais tarde
pertenceu ao Comité Central da UNITA; o “Chico Nhô” o “Mais Velho”, a bela
Teresinha; os milhares de ouvintes do Rádio Clube do Huambo; todos os nossos
camaradas ex-combatentes, especialmente os das tuas C. Caç. 205 e do B. Caç.
2911; a minha C. Caç. 18 do B. Caç. 18 e o 606 dos GE, também encontrei aqui o
velho criado que dizia que “A noite tem Kazumbir/Fantasma!”, todos eles a par
do Álvaro Reis e do Fernando Giesta.
Obrigado
e aguardamos os outros dois livros desta trilogia, que dá pelo nome de “Veredas”.
Penafiel
– Rio Mau
6
de Outubro de 2012
(Eduardo Roseira)
(1) Palavras que foram pedidas a algumas
pessoas do público.
quinta-feira, 2 de agosto de 2012
ELEGIA, do poeta moçambicano Nelson Saúte

A mãe beijou a pólvora
no sorriso morto do filho.
Despiu a capulana e cobriu-o.
E depois vestiu as lágrimas.
Nelson Saúte
in: "A Viagem Profana"
Imagem: google.com
domingo, 1 de julho de 2012
SOLDADO DESCONHECIDO
Há um soldado desconhecido na frente de batalha
não sei ao certo em que país ou talvez
em todos os continentes desvastados. Há um soldado
desconhecido que vem de todas as guerras já perdidas
de todos os desastres e de todas as mortes e está
na frente de batalha em um território desorbitado.
Há um soldado desconhecido que já não sabe
por quem se bate. Talvez só por si mesmo ou nem sequer
bate-se por se bater numa qualquer frente de batalha
e já não pergunta porquê nem o sentido.
Está numa frente de batalha e sabe que ninguém se importa
algures num país que já não é país
em um combate perdido
nenhum de nós sabe quem ele é e no entanto
cada um de nós está nessa frente de batalha
e não tem nome e é
esse soldado desconhecido.
Manuel Alegre
In: "Nada Está Escrito"
Publicações D. Quixote, Lisboa, 2012
Imagem: Google imagens
segunda-feira, 19 de março de 2012
FUGIR DO POEMA?
verdes eram os meninos
na idade e no fardar
feitos maduros jovens
no sofrer e no calar.
os pássaros
são cinza-cor
e trazem nas asas
a cruz de cristo!...
e cospem bombas.
meninos memórias-napalme
que tingiu durante
três noites e iguais dias
o azul céu
e as albas nuvens,
em vermelho fogo
e negro morte.
verdes eram os meninos…
agora…
agora sonham e (re)vivem a só,
estar entre o seco capim
e o barrento pó,
e lembram
os cúmplices olhares
que acamaradavam
o medo que escondiam.
por companhia
a comunhão entre todos
os verdes meninos,
do fumo da suruma (1)
que lhes metralhava os pulmões
e aliviava a alma
e gritavam
sorriam
enquanto a tórrida cerveja
lhes camuflava os receios
que vestiam.
verdes eram os meninos…
esta a história
repetidamente sonhada,
pelos meninos verdes
sem sal
e com azar
vestidos de homens
e com ordem de matar
sem dó, nem pena
num duro e constante fingir
este o poema do qual
não consigo fugir!
eduardo roseira
19/março/2012
(1): liamba, erva
Imagem: sapo.pt
domingo, 18 de março de 2012
Rebenta a manhã como um punhal
Rebenta a manhã como um punhal
de gritos
na caserna
O arame farpado
que serve de paredes frágeis a este quartel
improvisado
foi cortado durante a noite
Há marcas evidentes do inimigo
e da sua passagem traiçoeira
por aqui
Estremece o sangue nas veias
a raiva corta os pulsos
e o medo apodera-se de todos nós
Não há heróis!
De todos eles que eu conheço
existe apenas a cruz de guerra
entregue ao pai
ou ao filho que o pai não conheceu
e a memória sentida
escrita no mármore da sepultura
Alvaro Giesta, em "Triângulo" - versos de guerra, amor e ódio (a publicar)
Imagem: sapo.pt
sexta-feira, 16 de março de 2012
A ALDEIA
(sobre o massacre de Wiriamu)
I
Vede
a amabilidade das manhãs
exprimindo-se tão bem
por sobre o espaço das bombas.
E tudo se purifica
enquanto à toa
um sol difícil reclina
austral na nossa angústia
como estes pássaros brilhantes
debicando nos comprazidos escombros.
Cindidas para trás
as cidades com os impermeáveis de combate
perfilados aos ventos dos trópicos.
Delas partem os voos
migratórios dos motores
ou os azimutes fac-similados
dos profissionais.
Agora só perceptível
porque derrete à luz romântica
o horror míope dos astros
- deles a luz que pressaga
o remorso.
II
Mas são tão amáveis as manhãs
na aldeia sem frémito
e sem palavras dentro.
Os gritos já não regressam
aos gritos. E do capim
só a flor negra da sua memória
nos acena dos crepúsculos
assim fixos no poema.
De novo o giro do pó
tinge o horizonte
e um anjo negro limpa pacientemente
na face neutra das nuvens
o suor loiro dos hélices.
III
Quando o sono inquieta
demandaremos à pressa
círculos insubstituíveis.
Apalpões erguerão de nós
fragorosamente
o ímpeto fragmentado
desses mortos então maduros.
Porém do ar
a cada impulso de tédio
a aldeia casa a casa
filtra na candonga das celas
(de qualquer coração ínsuo)
a eternidade desbragada
na boca que não traiu.
E de um caminho exultante
músculos primigénios
emudecem acamaradam
proverbialmente
os olhos grandes das fogueiras:
«Se o céu tem emoções
é porque se tornou velho.»
Heliodoro Baptista
In: “Por Cima de Toda a Folha”
Imagem: sapo.pt
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